sexta-feira, 9 de abril de 2010

Eco

Olhei para o espelho naquela manhã, tentei ser simpática mas ele cuspiu em mim.
Cuspiu em mim tudo o que estava bem no fundo do seu reflexo, do reflexo dos meus olhos e do reflexo do reflexo dos meus olhos.
Tudo escorrendo com detalhes e uma calma incríveis sobre mim, como pôde? Misturou todos os meus anseios e minhas certezas de forma grotesca e me mostrou. Mostrou e não se deu por satisfeito, conseguiu realmente me convencer que aquilo, que sempre andou dentro de mim, estava agora longe demais e difícil de se tornar real.
Distorceu tudo e me ludibriou tão bem que lhe tenho até admiração. Creio que ele planejava aquele bote há tempos porque me pegou da maneira mais frágil, enquanto sorria.
Não olhei mais para ele por um bom tempo, e com o passar dos dias fui me acostumando àquela realidade que foi posta literalmente diante de mim. Costume, sim. Não pensei mais sobre aquilo, mal conversava comigo mesma e os dias foram correndo. Passava longe dos espelhos por receio, não conseguindo ver o quão desgrenhada estava.
Em raros momentos em que meus olhos e pensamentos não estavam fixos em várias outras coisas "importantes", encontrava meus dedos dançando alguma coisa, me via fazendo caretas para crianças no ônibus, desenhando cogumelos nas bordas das folhas do caderno e imaginando a vida das pessoas que passavam por mim na rua, qual era o nome do gato delas e o que tinha dentro de todas aquelas pastas e maletas.
Fui emergindo de dentro de mim aos poucos, como uma raíz concretada o faria, espontanea e vagarosamente sem dar satisfações. Fiz muita falta à mim mesma.